"Crucificação" é um filme urgente ligando realidade e ficção
- Entrevista por Luís Nova - Tubo de Ensaio
- 19 de abr. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de mai. de 2022

Depois de muita espera, finalmente estreou no 10º Festival Internacional de Cinema de Santo Domingo o novo filme do cineasta Alek Lean [foto]: Crucificação, um filme ensaio/manisfesto urgente para os dias atuais mediante a crescente onda neo fascista que assola o país. A próxima parada é um moderno festival inglês, que conta também com prêmio do júri popular por votação através de video on demand, em breve.
Jorge Silva interpreta um religioso que apoiou o novo governo e depois é perseguido pelo mesmo.

LN - Quando você idealizou o filme "Crucificação" e por quais motivos?
ALEK - Eu escrevi o roteiro deste filme em 2016, logo depois de aceitaram na câmara dos deputados o Processo de impeachment contra Dilma Rousseff. O clima era tenso politicamente e socialmente e os traços do radicalismo da extrema direita apoiada pela bancada da bíblia só aumentavam. A perseguição as religiões de matrizes africanas se intensificaram a ponto de pessoas serem expulsas de sua comunidade por seguir suas crenças. Em seguida ganharam força as famílias conservadoras autodeclaradas como pessoas de bem, mas que faziam mal ao próximo. E até mulheres sem sororidade apoiando o machismo. Enfim, vivemos uma crucificação generalizada de inocentes.
A atriz Alexandra Zarjitsky interpreta uma misógina "pessoa de bem" fundamentalista

LN - A homofobia e misoginia já estavam bem avançadas em 2016. Você imaginou que chegaria a um ponto gravíssimo em pleno 2019?
ALEK - Quanto a homofobia, isso já estava rolando a muito tempo e só aumentou. Mas na época que escrevi o roteiro, eu nunca iria imaginar que a frase da personagem da Alexandra "Os gays estão deixando o país" se tornaria real com o exílio de Jean Wyllys anos depois e também alguns amigos que realmente foram embora.
LN - Como foi o processo de gravação e conceitual do filme?
ALEK - Tive que correr contra o tempo para terminar as filmagens, pois no cinema de guerrilha é muito difícil conseguir reunir equipe técnica, mais elenco de lugares diferentes e distantes do Rio num só lugar pra uma diária sequer. Meu assistente de direção chegou a sinalizar que deveríamos abortar esse projeto. Mas no final conseguimos realizar o mínimo e o filme de cara já foi pra um festival internacional. Vale lembrar quem sem as pessoas incríveis que integram o coletivo nada andaria.
Núbia (Renata Coimbra) tentada a cometer suicídio após largar seu marido machista.

ALEK - Nos sentimos honrados em ter a participação do grande ator Thiago Justino que cedeu sua voz às lembranças da personagem Núbia. Com interpretação majestosa ele dá o tom em um momento delicado onde a personagem está extremamente fragilizada no alto de um precipício preste a se jogar.
Thiago Justino interpreta um machista, cedendo gentilmente sua voz para o curta-metragem.

Optei pela iluminação natural de cada local, filtro quente fosco na finalização, reunir atores e não atores com o objetivo de trazer mais calor e certa informalidade a narrativa que faz links da ficção com manchetes reais de jornais e sites contendo falas de Bolsonaro, Feliciano e outros conservadores extremistas. Nos momentos iniciais do filme depoimentos mesclados com cenas reais, trazem um lado documental para este filme experimental que é um alerta bastante suave em vista do pesadelo que estamos vivendo atualmente. Tudo que eu falei acima se encontra nesse filme, por vezes de forma sútil e outras vezes através de personagens que são caricaturas da sociedade atual como o policial corrupto e a beata "pessoa de bem".
O inteligente Rafael (Jonathan Fontella) buscando formas de se proteger.

LN - Você pensa em transformá-lo em longa metragem?
ALEK - Na verdade este filme daria um longa, cortei muita cena boa com uma dor no coração (risos) pra poder caber em 25 minutos e ter mais chances em festivais de curtas (com essa minutagem já é difícil) pois o ideal são 15 minutos. Esse filme ensaio é uma forma de manifesto criticando os absurdos verbais que agora estão se concretizando... E quem sabe até onde isso tudo vai parar. Se deixei algum alento ou não, só assistindo até o final. Mas ainda tenho muito que aprender até chegar ao meu primeiro longa metragem. Estou fazendo diversos cursos com grandes nomes do cinema nacional e negro atual e alguns estrangeiros como Olivier Ayssauas e Catherine Hardwicke que propõem narrativas bem diferentes entre si. Eu amo fazer curtas pois são mais objetivos, trabalhamos com o poder de síntese e criatividade muito grande. É estimulante! Mas não descarto possibilidades referente ao "Crucificação"
Miguel (Padua Andrade) num momento tenso com o cinismo do policial Benício (Gaio França).

LN - Quais seus cineastas prediletos?
ALEK - São tantos! No exterior: o controverso Lars Von Trier, Spike Lee, Jafar Panahi, o saudoso mestre Krzysztof Kieslowski e dezenas... No Brasil: Camila de Moraes, Joel Zito Araujo, Jeferson De, Sabrina Fidalgo, Kleber Mendonça Filho, Luiz Carlos Lacerda, Luiz Antônio Pilar, os Walters (risos) e Zózimo Bulbul, o pai do cinema negro! Tem mais, gente! (risos)
LN - Seus filmes inesquecíveis...
ALEK - Milhares! Posso fazer uma lista gigante... (risos) Alma no Olho, e um longa de cada continente (risos) O Piano (Nova Zelândia), Dogville (Dinamarca) e Tilai (Burkina Faso) e Salve o cinema (Irã) e Faça a coisa certa (EUA).
Alek Lean no Odeon dia da estréia de "Lar Doce Celular" no 10º Encontro de Cinema Negro

Confira também a matéria Cineasta Negro da Baixada pro Mundo do site Preta Jóia com o cineasta Alek Lean, sobre o filme 'Crucificação" e o cinema negro. Clique no link abaixo!
Experimental em 19 de abril de 2019.
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