CINEMA NEGRO - Terror como ato político: entre o desconforto, a denúncia e conscientização social.
- Experimental Filmes
- há 5 dias
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Atualizado: há 4 dias
CONTÉM SPOLEIR! Um curta e um longa com um terror incômodo que critica e resiste.

Os filmes "Como Matar Uma Boneca", de Alek Lean (curta-metragem), e "Corra!" (Get Out) de Jordan Peele (longa-metragem), embora de estilos, linguagens e contextos distintos, compartilham temas estruturais profundos e politicamente potentes. Abaixo, confira os principais pontos de conexão:
1. Denúncia do racismo estrutural e disfarçado
Em "Corra!": o racismo aparece de forma velada — através da falsa cordialidade da família branca, que esconde práticas racistas violentas e simbólicas sob uma aparência "progressista".
Em "Como Matar Uma Boneca": o racismo é exposto em signos silenciosos — como a forma como o corpo negro é objetificado (representado pela boneca), e como ele sofre violências muitas vezes dentro do próprio espaço doméstico.
➡️ Ambos os filmes alertam para o racismo que se esconde atrás da aparência de normalidade ou afeto. Em Corra! o carinho da namorada branca ao longo do filme e em Como Matar Uma Boneca vemos ao final na sequência de fotos, como estava feliz a mulher branca ao lado do marido negro e isso mudou após um tempo.
2. Alegorias sobre o corpo negro como objeto
"Corra!": o corpo negro é literalmente desejado e roubado — os brancos transplantam suas mentes em corpos negros como se fossem recipientes mais “valiosos”.
"Como Matar Uma Boneca": a boneca simboliza o corpo negro visto como descartável, manipulável e sem agência — a própria ideia de "matar" a boneca sugere o fim de uma ilusão, mas também o fim de um corpo que nunca foi considerado sujeito.
➡️ Ambos os filmes usam metáforas para criticar a desumanização e a apropriação do corpo negro.
3. Crítica ao liberalismo hipócrita / extremismo disfarçado
"Corra!": a família branca diz “ter votado no Obama uma terceira vez”, mas na verdade quer dominar corpos negros — um comentário direto sobre o racismo dentro de setores progressistas.
"Como Matar Uma Boneca": a bandeira do Brasil rasgada e invertida na casa da mulher branca, denuncia o uso hipócrita de símbolos patrióticos por extremistas que oprimem minorias.
➡️ Ambos os filmes expõem ideologias que se dizem protetoras, mas escondem opressão e controle.
4. Uso do terror psicológico como crítica social - Crença e Religião
Jordan Peele violência misturando terror e sátira para causar desconforto e reflexão. A família Armitage usa tecnologia para dominar e controlar corpos e mentes negras, formando um culto (reuniões e leilões) baseado na crença de sua superioridade. Eles sustentam um sistema de dominação que se assemelha a uma fé.
Alek Lean violência usando símbolo e metáforas, ambientação e silêncio para provocar tensão e questionamento.
A personagem se esconde através da religião exibido através de símbolos no filme como a bíblia e o crucifixo. Afinal, uma mulher branca e cristã não quer passar a imagem de violência. Em contraponto, a sensitiva Senhora é guiada através do seu cordão de Oxumaré que faz a conexão com um espírito que vem avisá-la para o bem.
➡️ O desconforto serve como ferramenta de denúncia e consciência política.
5. A era escravagista em forma de símbolos: o algodão e o café
No filme Corra!, o algodão no sofá simboliza a herança escravagista dos EUA, onde negros eram forçados a colhê-lo sob violência. Quando Chris é preso e cercado por algodão, a imagem reforça a ideia de controle e opressão histórica. Mas ao usar o próprio algodão para se libertar da hipnose, o filme transforma esse símbolo de exploração em resistência e sobrevivência.
No filme Como Matar Uma Boneca, o café simboliza o passado escravagista brasileiro e a exploração dos negros nos cafezais. Os grãos de café espalhados na cama da boneca, marca a recusa da mesma em continuar submissa à opressão, o que precede sua fuga. Representa sua revolta e desejo de liberdade frente a um sistema que ainda persiste.
6. Reconfiguração do horror com protagonismo negro
Ambos os filmes colocam personagens negros no centro do terror, mas não como vítimas passivas: são heróis observadores, denunciadores e fazem justiça.
Resumo
Tema | Corra! (Jordan Peele) | Como Matar Uma Boneca (Alek Lean) |
Racismo velado | Falsa cordialidade liberal | Família, tradição e símbolos nacionais |
Corpo negro objetificado | Transplante de corpos | Boneca como objeto simbólico |
Terror como crítica social | Violência com suspense e sátira | Violência com metáforas e silêncio narrativo |
Alegoria político-cultural | Branquitude predatória | Colonialismo, religião e símbolo nacional |
Protagonismo negro | Chris (sobrevivente e lúcido) | Senhora (observadora e sensitiva) |
Curiosidades: O curta "Como Matar Uma Boneca" teve sua estreia mundial no FESTin Lisboa e Festival Guarnicê de Cinema. Foi exibido em mais de vinte países e acumula até o momento dez prêmios, entre eles cinco na categoria Melhor Roteiro, Prêmio Especial da Crítica e Prêmio de Melhor Curta de Conscientização Social.
Redação Tubo de Ensaio
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